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Positividade Tóxica

Como a positividade pode ultrapassar os limites do que saudável, bloquear emoções e ser prejudicial no convívio social

Por Juliana Meneses


Ser uma pessoa positiva é considerado algo bom, contudo vem crescendo, sobretudo na internet, o que é denominado de positividade tóxica, aquela onde não é permitido dar vazão aos sentimentos ruins, onde se prega que o bom é ser uma pessoa que pensa positivo para as coisas “darem certo”, e que quem não pensa positivo o tempo todo atrairá situações negativas, mas esse tipo de comportamento pode ser extremamente cansativo e nocivo para a mente humana.


É importante compreender que ser otimista é uma possibilidade e não uma obrigação, sobretudo em tempos de pandemia onde todos estão emocionalmente desgastados. Os sentimentos negativos como medo, raiva, ódio, melancolia fazem parte da natureza humana e não devem ser demonizados, em alguns momentos será natural senti-los, assim como a felicidade e alegria, é preciso aprender é impossível ser positivo ou feliz o tempo todo.


De acordo com um levantamento realizado pela USP, com as restrições causadas pelo isolamento social devido a pandemia, houve um aumento considerável de transtornos mentais, além de o Brasil ter ficado como o país com mais casos de ansiedade e depressão entre os 11 que participaram do estudo. Como com esse cenário caótico pode-se pedir para que as pessoas serem felizes e positivas em tempo integral? Com mais de 460 mil mortes, falta de leitos e de equipamentos de saúde e perda de entes queridos é mais que normal sentir medo por exemplo, o medo serve como um sinal vermelho justamente para que não haja uma exposição ao perigo.


O movimento chamado de #goodvibessonly foi então batizado por especialistas de “positividade tóxica”, onde existe uma negação da tristeza e de qualquer emoção considerada ruim. Esse tipo de comportamento impõe a busca por felicidade sem dar lugar ao que há de real, suprimindo sentimentos, o que pode acarretar em problemas da ordem da saúde mental.





A psicóloga Mariana Bronzato explica que vivenciar os sentimentos negativos, apesar de desconfortável, é necessário para nos conhecermos melhor.


“Vivenciar o que sentimentos de raiva, medo, tristeza, nojo nos dá base para se conhecer a ponto de sabermos nossos limites, de entendermos sobre nossos desejos e vontades. Muitas vezes reprimimos a raiva e o corpo padece em sintomas físicos, somos um ser apenas, as emoções conversam com o físico o tempo todo. Falo da raiva, pois desde pequenos ouvimos o quanto não podemos odiar nada e nem ninguém, escutamos nas criações o quanto é feio ficar bravo e com isso deixamos de dar a essas crianças a capacidade de lidar com si em momentos difíceis. Lidar com o que não é tão bom, com o que nos desagrada é também lidar com a gente, é se olhar de todos os ângulos e se respeitar”.

A psicóloga ressalta que tentar fugir dos sentimentos negativos ou reprimi-los pode ser prejudicial para mente e ocasionar em transtornos psíquicos, além de pouco contato com as próprias emoções.


“Os problemas de não viver sentimentos negativos podem
acionar lugares emocionais em várias esferas, são as pessoas que não se respeitam, que não se olham e que não se permitem viver. Se tornam adultos sempre em busca da perfeição, de não desagradar o outro e com isso nunca formam vínculos e relações inteiras. Não se aprofundam. E como eu digo sempre: não sentir é sintomático. A apatia diante dos sentimentos negativos pode ser a porta de entrada para muitos transtornos psíquicos. Willian Reich dizia que ‘a raiva é o maior sentimento motivador que o humano prova’, querendo dizer o quanto reprimimos e não vivenciamos uma emoção que tanto pode nos ser libertadora”.




A falsa felicidade


As redes sociais são um local onde a positividade tóxica é exposta livremente, neste mundo de fantasia onde só se posta o que deseja, é muito fácil construir uma vida de mentira, com recorte e enquadramento dos momentos felizes, o que traz ansiedade e uma comparação com a vida dos outros que parece sempre melhor que a nossa.


Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2019, que avalia as perspectivas dos brasileiros a respeito da tecnologia, revelou que para 41% dos jovens brasileiros as redes sociais causam tristeza, ansiedade ou depressão. Em tempos cada vez mais conectados, sobretudo com o isolamento social, a exposição ao que pode ser nocivo para a mente é cada vez maior.


A psicóloga Mariana Bronzato explica que o sentimento de disputa por uma vida interessante pode estar associado a positividade tóxica, impondo vidas que não são reais.


“A positividade que impõe felicidade é da ordem da disputa de vidas que a rede social apresenta. No geral as pessoas não escutam as outras, e hoje também não acho que seja um grande problema. Por vezes é necessário sim calar a todos e prestar atenção em si, para quando for o momento e for preciso, a escuta seja feita com paciência e empatia. Mas, se algo é feito para ser imposto a nós, já não começa sendo bom para nenhum dos dois lados. Sigo na luta para que as vidas sejam mais reais, mais sentidas e vividas. Sobre se ter uma escuta empática a grande verdade é que muita gente não vai ter e é isso, mas se há tempo e espaço para se treinar essa escuta é importante que ela seja treinada para não ser julgadora e sim acolhedora, deixando que o outro possa ser ele em sua totalidade ao falar e nós possamos ser nós em nossa totalidade ao ouvir”.

Mariana destaca que a ilusão dessa felicidade inalcançável pode ser extremamente prejudicial para a mente.


“Você é feliz? Se pergunte isso e deixe a resposta ser rotineira, ser casual. A ideia inalcançável vem das ideias vendidas onde para se ser feliz é necessário ter uma lista de coisas físicas. É preciso ter um corpo X, viajar Y vezes por ano, ter X sapatos, viver uma vida com meditação e flores na varanda. É preciso pra quem? Enfim, é prejudicial porque coloca as pessoas como iguais e não considera os desejos e histórias, é ainda mais prejudicial porque não dá a liberdade de escolher o que faz bem pra si, não te deixa ser você e assumir seus próprios desejos”.




O que não dizer a quem está triste


Na chamada positividade tóxica a pessoa achando que está ajudando alguém de seu convívio que está triste acaba falando de um modo que faz com que a outra pessoa se sinta ainda pior, a intenção pode até ser boa, mas compreender a dor do outro e dar apoio é um gesto de empatia, e para isso é necessário se colocar no lugar deste outro.


“Calma, passei por isso e estou vivo.”


Apesar de achar que está ajudando, colocar a própria experiência como parâmetro pode invalidar a dor da outra pessoa, fazendo se sentir inferior ou incapaz.



“Por que você está triste, você tem tudo?!”


Cada pessoa é um ser humano único e por mais que alguém seja provida de recursos financeiros, por exemplo, isso não a impede de sentir tristeza, medo e dor. Frases assim podem fazer a pessoa sentir-se ingrata com a vida que tem, além do sentimento de culpa por não estar feliz.



“Pense que tem gente muito mais precisado ou triste que você no mundo.”


Compara o problema de alguém com o de outras pessoas pode fazer com que quem está sofrendo sinta-se culpada e pode gerar medo de se abrir e falar sobre o que sente.



“Não precisa ficar tão triste, isso nem é nada sério.”


O tamanho e a intensidade do sofrimento apenas quem está sentido pode mensurar. As pessoas sentem de forma distinta as situações semelhantes e conseguir expressar o que sente é o primeiro passo para tentar se curar.





Sentimentos variados fazem parte da vida


Insistir na felicidade e que as pessoas em sofrimento devem pensar positivo pode ser desagradável, frases que demonstram empatia para dizer em situações difíceis devem expressar o seu apoio, como por exemplo “estou aqui para o que precisar”, “imagino o quanto isso seja difícil para você”, “estamos juntos nessa”, “pode falar comigo sobre o que precisar”. Trabalhar uma escuta mais empática ao próximo envolve ouvir sem julgar ou sem querer que a pessoa melhore instantaneamente, afinal os problemas não somem num passe de mágica.


Mariana explica que ao contrário do que se pensa, fingir ou tentar ser positivo em tempo integral, em vez de fortalecer pode nos deixar menos resilientes.


“O ser humano é composto por inúmeros sentimentos e no mínimo 5 emoções básicas, começo dizendo isso pra dizer que somos complexos e instáveis. A ideia de ser positivo independente da situação nos coloca em uma prisão emocional, não sentir o que é negativo faz mal a ponto de nos deixar sem memórias emocionais e menos resilientes. Não sentir é sintomático, estar em apatia não é viver positivo. Enfim, nenhuma emoção é melhor ou pior que a outra, mas todas devem ser consideradas e vividas, pois são elas que nos fazem ser humanos. A positividade imposta, ‘obrigatória’, não é um autocuidado, ao contrário, é uma fuga de sentimentos e emoções mais profundas e complexas e ainda acrescento que esta positividade tem mais a ver com o não se conhecer e esconder de si as próprias emoções”.


A positividade e o otimismo são excelentes ferramentas para enfrentar os problemas da vida, contudo quando isso se torna algo obsessivo ou exagerado perde o sentido porque deixa de ser real e se torna algo inalcançável. Está tudo bem se sentir triste as vezes, sentimentos considerados ruins fazem parte da natureza humana. Ser otimista é diferente de ser alienado, é possível pensar positivo mas estar a par dos problemas do mundo ao redor e ter a sensibilidade de compreender que em algumas realidades é muito mais difícil se sentir feliz ou motivado.


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