Yoga é a contenção de atividades cognitivas
- Redação Entre Asanas
- 22 de abr.
- 2 min de leitura

Em um cenário saturado por promessas de bem-estar rápido e soluções holísticas embaladas em estética de Instagram, a definição clássica de Yoga soa quase subversiva: Yoga-Città-Vritti-Nirodhah. Esse é o segundo aforismo do Yoga Sutras de Patanjali, principal manual do sistema filosófico chamado Yoga, e que estabelece com objetividade rara: Yoga é a contenção das atividades cognitivas. Simples assim.
A assertividade dessa frase surpreende justamente por sua clareza. Em vez de misticismos e alegorias esotéricas, temos aqui uma diretriz técnica, quase operacional: conter as atividades da consciência. Mas em meio a discursos difusos, embalados por espiritualidade de palco e performances corporais, essa definição permanece às margens — ignorada por instrutores despreparados e desconhecida por praticantes que buscam alívio, mas não encontram direção.

A mente como campo de batalha: o que deve ser contido
Dizer que Yoga é contenção da atividade cognitiva é o mesmo que afirmar que sua prática começa — e se desenvolve — no campo da cognição. E aqui surgem perguntas fundamentais que raramente são formuladas por instrutores modernos: Quais atividades devem ser contidas? Como se reconhecem? Qual a técnica para esse controle?
No mundo da tecnologia, qualquer sistema é sustentado por três pilares: mapeamento de processos, definição de protocolos e mensuração de resultados. O mesmo se aplica à consciência. As chamadas vrittis — as atividades naturais — são: evidências, inventividade, imaginação, sono e memória. E as chamadas kleshas — as atividades perturbadoras — são: ignorância, egoidade, desejo, medo e pertencimento.
Mas se o instrutor que deveria guiar o processo jamais estudou o Samkhya, sistema filosófico que embasa o Yoga; se nunca leu com profundidade o Yoga Sutras (ou apenas uma vez, por obrigação curricular); e se transmite apenas sequências de posturas desconexas da essência, o que esperar?
Em “terra de cego”, diz o ditado, “quem tem um olho é rei”. E assim, conceitos profundos tornam-se slogans, e a chance de real transformação cognitiva se esvai entre alongamentos e playlists relaxantes.

Conhecimento define sua prática
O mais inquietante é que o conhecimento existe, é acessível e está disponível. O Yoga Sutras de Patanjali, embora escrito em linguagem densa, é um manual técnico de autodomínio. Requer estudo, sim. Mas não exige fé cega, nem gurus onipresentes. Basta vontade autêntica e discernimento para buscar a fonte, e não apenas os reflexos distorcidos.
Praticar Yoga, portanto, não é executar posturas durante uma hora sobre um tapetinho bonitinho. É atuar sobre os componentes da cognição (mente, ego, intelecto), contê-los com técnica e propósito, até que reste o silêncio lúcido da intuição. Um silêncio que não é vazio, mas sim pleno de si — aquele estado em que o ser humano finalmente se livra dos ruídos que o impedem de escolher e agir em conformidade com sua natureza mais elevada (Svarupa).
É tempo de resgatar a seriedade do Yoga como sistema de libertação cognitiva e comportamental, e parar de tratá-lo como entretenimento físico-espiritual. Só assim, a prática poderá oferecer o que realmente tem a oferecer: um caminho funcional de reintegração entre corpo, cognição e comportamento — uma tecnologia ancestral de autogestão, atualíssima para os desafios do presente.
Comments