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Entre o home office e o presencial

Modelo híbrido de trabalho ganha força com a pandemia, mas será que se mantém?

Por Jessica Bazzo


A pandemia do novo coronavírus modificou as relações sociais, impactando diretamente os modelos de trabalho. A maioria das empresas, e, em especial, as mais conservadoras, precisaram se adaptar às novas exigências sanitárias para que seus negócios continuassem funcionando. Além das estratégias comunicacionais, o modelo híbrido de trabalho ganhou maior visibilidade e se mostrou uma alternativa às empresas e seus colaboradores nesse período.


O modelo de trabalho híbrido é aquele que alterna trabalho em home office e presencial. Segundo a diretora da seccional de Goiás da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH/GO), Pollyana Oliveira Guimarães, depois de certo tempo de trabalho remoto, as empresas ficaram menos receosas quanto à produtividade no home office e foram desafiadas a desenvolver lideranças que contemplassem as especificidades deste modelo.


“Empresas e profissionais perceberam as vantagens do trabalho remoto ou híbrido e vários estudos indicam que, após esse período conturbado, companhias de todos os portes pretendem continuar com essa prática para parte da equipe, tendência observada também no World Economic Forum 2020, onde 44% da força de trabalho das empresas pode migrar para o modelo remoto”, analisa.

Para trabalhar de modo mais eficiente, a diretora da ABRH/GO aponta que o segredo está em utilizar as potencialidades das tecnologias para garantir uma boa comunicação. No entanto, é necessário estar atento à mensagem que se deseja transmitir, porque, via meios digitais, como e-mail ou WhatsApp, é difícil identificar emoções, o que pode gerar falhas comunicacionais.


“Trabalhar a liderança humanizada, conhecer sobre o conceito da comunicação não-violenta e utilizar ferramentas interativas para se comunicar com a equipe são processos fundamentais para liderar com efetividade. E graças à tecnologia, essas ferramentas têm sido essenciais no processo de gestão da equipe no home office. As gigantes chinesas Alibaba e Tencent desenvolveram suas próprias ferramentas de administração remota: a DingTalk (da Alibaba) e a WeChat Work (da Tencent), que também estão disponíveis para empresas fora do grupo. A Google, que já adotava o sistema híbrido de trabalho na maioria de suas filiais mundiais, incorporou o Hangouts e a Blue Jeans (que conecta os colaboradores em uma plataforma na nuvem). Entretanto, há uma infinidade de opções no mercado, como o Trello (para organizar as tarefas individuais e da equipe), o Microsoft Teams (para reuniões e trocas de mensagens), o WhatsApp for Business (para envios de mensagens em massa aos funcionários da empresa), Asana (para monitorar conversas e andamento de projetos, como divisão de tarefas, prazos e níveis de prioridade), entre inúmeras outras”, destaca.



O modelo de trabalho híbrido se tornaria tendência em alguns anos, mas a pandemia acelerou o processo, e tanto empregados quanto empregadores não tiveram tempo para se preparar, de forma que essa adaptação tem sido forçada na experiência diária. Entre as vantagens e desvantagens desse modelo de trabalho, Pollyana Guimarães destaca como vantagens: a redução de custos, maior flexibilidade de trabalho, fortalecimento da cultura organizacional, melhora na qualidade de vida e retenção e atração de talentos. Já a parte negativa, está muitas vezes no excesso de carga horária de trabalho, pois pode ser mais difícil controlar o desempenho no dia-a-dia, visto que, a quantidade de distrações em casa, como TV, lanchinhos e até videogame, é bem maior.


Além disso, é preciso equipar o home office com mobiliário adequado, ergonômico, computador e smartphone, ter banda de internet etc. Algumas outras questões a serem consideradas são a falta de contato com outros funcionários, que pode interferir no desenvolvimento profissional e pessoal, e, a depender do segmento da empresa, maior risco de vazamento de informações sigilosas.


E se a sobrecarga de trabalho entre as mulheres já era grande, com a pandemia e o home office ficou ainda maior. Pollyana Guimarães, que também pesquisa mulheres e mercado de trabalho há alguns anos, destaca que o novo modelo pode potencializar a sobrecarga das mulheres que estão em casa o dia inteiro. Referenciando o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), da Organização das Nações Unidas (ONU), e o material produzido pela ONU/Mulheres Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe, que avalia os diferentes impactos da pandemia entre mulheres e homens, ela salienta que as desigualdades de gênero se refletiram em maiores consequências para as mulheres.





Essa afirmação também pode ser validada a partir de dados de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais sugerem que o trabalho doméstico resulta em uma dupla jornada, principalmente, para as mulheres da família. Ainda segundo o mesmo estudo, as mulheres que trabalhavam fora já dedicavam em média 8,1 horas a mais aos afazeres ou cuidados em casa que os homens também empregados.


“Os dados e a realidade não são favoráveis às mulheres e, por isso, tentar manter uma rotina com horários pré-definidos e dividir o trabalho de casa com seu companheiro (a) fará toda a diferença para que o modelo home office permaneça sendo produtivo”, orienta Pollyana.


Mas, esse modelo se manterá após a pandemia? De acordo com a diretora da ABRH/GO, isso dependerá da cultura de cada empresa e dos resultados alcançados no período home office.


“Para adotar um modelo híbrido definitivo, é necessário rever o grau de maturidade profissional da equipe, de forma a manter a produtividade em alta e também que a empresa garanta as condições de trabalho adequadas aos seus colaboradores. Hoje, tudo indica que parte das equipes permanecerá trabalhando a distância. Um estudo conduzido pela consultoria Mercer, com 819 gestores, aponta que, destas, 83% pretendem oferecer a flexibilidade do home office após a crise da Covid-19. Além disso, o crescimento na oferta de vagas definitivas para trabalhar de forma totalmente remota aumentou 300% em 2020, de acordo com o levantamento do Portal VAGAS.com”, conclui.




Opinião de quem experimentou o modelo de trabalho híbrido


A jornalista e professora universitária Lethícia Alves trocou de emprego durante a pandemia. Atualmente, ela se divide, de um lado, entre ministrar aulas on-line em uma universidade, onde se reúne presencialmente apenas para planejamento do semestre letivo com a equipe, e, de outro, cuida da comunicação de uma associação que administra um condomínio residencial.


Neste último emprego, de setembro a março deste ano, ela trabalhava três dias por semana presencialmente e dois em home office. Por esse período, Lethícia relata que, quando estava em casa, as demandas eram maiores e acabava trabalhando até mais que presencialmente. Em contrapartida, ela conta que, no home office, sentia-se mais tranquila para trabalhar.


“Se eu pudesse escolher, preferiria continuar de modo remoto. Eu gosto de trabalhar sozinha, no silêncio. Além disso, em home office, a gente não gasta nem tempo nem dinheiro com deslocamento até o local de trabalho”, avalia.

A empresária Murieli Rocha é proprietária de uma franquia de facilitação de serviço de cartório e correspondência bancária. Ela tem duas funcionárias, uma que está em home office desde o início da pandemia, em março do ano passado, por iniciativa da empresária, e outra que segue em regime presencial, mas que precisou alternar eventualmente, por recomendação de decretos municipais e/ou estaduais, que determinaram o funcionamento do comércio na cidade.


Com uma funcionária a menos trabalhando presencialmente, a empresária relata que precisou modificar o funcionamento da empresa.


“A gente agora fecha para almoço, antes uma cobria o almoço da outra. Isso nos fez perder clientes, porque muitas pessoas procuravam a unidade no intervalo do trabalho, que é a hora que dispunham de uma folga para ir lá. Além disso, íamos ao banco várias vezes ao dia por sermos correspondentes bancários e agora estamos nos organizando para ir uma vez ao dia para não precisar fechar o escritório”, conta.




Ainda conforme Murieli, para o negócio, o home office não foi benéfico. E, segundo ela, a própria colaborada que está em trabalho remoto disse preferir desempenhar sua função presencialmente, mas devido à crise sanitária atual, e pelo fato dessa funcionária ter quase 60 anos e ser diabética, a empresária preferiu mantê-la no teletrabalho.

“Tivemos dificuldades de adaptação, um dos motivos foi também porque, mesmo que se converse com o cliente on-line, existem momentos em que o encontro é inevitável, como pegar assinatura para dar andamento aos processos”, destaca.


Outro desafio enfrentado, de acordo com a empresária, é a diminuição do volume de trabalho por conta da pandemia, o que ela atribui, ao receio de algumas pessoas se deslocarem até a unidade ou a clientes que deixaram de visitar, porque preferem conversar pessoalmente e a responsável pela área habitacional da empresa está em home office.


Com relação à legislação, ainda de acordo com o advogado, os modelos híbridos de contrato de emprego misturam o trabalho à distância com aquele realizado na empresa, e, embora não haja lei específica sobre esta modalidade, há regulamentação sobre o teletrabalho, a qual deve ser observada para fins de evitar transtornos jurídicos. As leis que versam a respeito do trabalho remoto são: Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Decreto-Lei n° 5.452/1943; art. 6º; art. 62, art. 75-A e seguintes) e Lei n° 14.151/2021.

Concluindo, Murieli afirma que não pretende continuar com esse modelo de trabalho e aguarda a colaboradora que ficou em home office receber a segunda dose da vacina, para que ela retorne ao regime presencial, após o tempo recomendado para imunização. Em contrapartida, a empresária reconhece que a pandemia a fez ver uma nova possibilidade de trabalho.


“O trabalho da funcionária que está atualmente em home office pode vir a se tornar mais flexível, a gente pode diminuir o tempo dela presencial, ela pode ir duas ou três vezes na semana e continuar fazendo serviço de casa”, considera.




O que diz a legislação sobre o modelo híbrido de trabalho


Para resguardar a relação empregado e empregador é importante formalizar o modelo de trabalho híbrido, registrando em contrato ou fazendo um aditivo que comprove o que foi acordado.


O advogado e pós-graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário Marcos Galindo explica que a regulamentação atual dispõe que: o teletrabalho é a modalidade de trabalho realizada fora das dependências do empregador, mediante o uso de recursos tecnológicos, devendo-se observar a necessidade de um contrato prevendo a modalidade e quais serão as atividades do empregado, além de especificação sobre quem deve arcar com os gastos pertinentes a equipamentos e infraestrutura.


“O empregador deve orientar o empregado sobre precauções a tomar, a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho e o empregado precisa assinar um termo de responsabilidade se comprometendo a seguir as instruções do empregador”, complementa.




Com relação à legislação, ainda de acordo com o advogado, os modelos híbridos de contrato de emprego misturam o trabalho à distância com aquele realizado na empresa, e, embora não haja lei específica sobre esta modalidade, há regulamentação sobre o teletrabalho, a qual deve ser observada para fins de evitar transtornos jurídicos. As leis que versam a respeito do trabalho remoto são: Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Decreto-Lei n° 5.452/1943; art. 6º; art. 62, art. 75-A e seguintes) eLei n° 14.151/2021.


Conforme Galindo, além da legislação, é importante observar ainda a existência de acordo ou convenção coletiva junto à categoria do empregado, pois pode haver regulamentação específica, e a CLT, no art. 611-A, prevê que negociação coletiva sobre teletrabalho pode se sobrepor à lei.

Outro aspecto relevante a ser considerado, como explica Marcos, é o controle da jornada e horas extras segundo a legislação, levando em consideração cada especificidade, pois a flexibilização não pode dar espaço para abusos por parte de empregadores.


“No caso do teletrabalho, o empregado não está sujeito ao limite de jornada e ao controle de horários, em razão da previsão do art. 62 da CLT. Assim, não há direito ao pagamento de horas extras e de adicional noturno neste regime, porém, se houver meio de controle patronal da jornada, é possível que seja reconhecido o direito aos respectivos adicionais. Já nos dias em que o trabalho for exercido no estabelecimento da empresa, é prudente seguir a regra do controle de jornada prevista no art. 74 da CLT”, explica.


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