Conheça a história de resiliência e coragem de uma mulher que passou por cinco perdas gestacionais seguidas
Por Mônica Kikuti
Mineira morando em Belo Horizonte, Irene Bellotti, 44, passou pela pior dor que existe na terra: perder um filho. Aliás, ela perdeu cinco seguidos. Costuma dizer que é mãe de 7: 5 anjos e 2 com ela.
Não é fácil relembrar desses momentos, mas Irene compartilhou com a Revista Entre Asanas sua história para que outras mulheres e famílias que já passaram por este tipo de luto saibam que não estão sozinhas.
“Poder dividir a minha dor, ameniza a dor do outro. A dor não fica menor, mas fica leve. A gente consegue digerir com mais luz”, diz ela.
A gestação de seu primogênito, Bernardo, hoje com 9 anos, foi tranquila e sem intercorrências. Ela sempre quis ter mais um filho e, dois anos depois, houve a primeira tentativa. A gravidez não foi adiante, assim como uma sequência de outras três, ainda no primeiro trimestre de gestação.
“Tive perda espontânea, tive que fazer curetagem. Foram fases que não sei precisar. Tive filho que, literalmente, eu vi sair. Veio uma cólica, uma dor que não sei mensurar e abortei meu filho no vaso sanitário.”
Irene conta que durante estas gestações interrompidas, teve muitas experiências de falta de empatia de médicos, ao lhe darem diagnósticos e aquela informação que ninguém quer ouvir: “seu filho está morto”.
“Falta um cuidado não só para a mãe, mas para a família. Teve vez de eu estar com meu filho no colo para acompanhar meu ultrassom e o médico falar: ‘Está sem batimento cardíaco, quero ver agora como você vai explicar isso pro seu filho!’. Foi desse jeito: zero tato, zero sensibilidade, zero empatia, zero profissionalismo. Eu não era uma mãe que estava perdendo um filho. Era uma mãe que tinha um histórico de outras perdas, que sonhava em ter outro filho, junto com o marido e com o filho mais velho. A história ali não era reta: são várias histórias juntas”.
O PEQUENO BENJAMIN
Após as quatro perdas ainda no primeiro trimestre de gestação, Irene engravidou de Benjamin. A gestação corria bem e o menino não era apenas desejado, mas esperado com ansiedade: houve chá revelação, chá de bebê e havia um quarto completamente pronto, decorado especialmente para receber o pequeno Benjamin.
Faltava apenas uma semana para Benjamin vir ao mundo e, numa consulta de rotina, mais um revés do destino se anunciou àquela família.
“Era uma sexta-feira e aí eu tive a informação do meu obstetra que ele não estava ouvindo o batimento cardíaco do Benjamin. O médico me pediu um ultrassom de emergência. Fomos numa clínica e foi comprovado. Meu mundo ali caiu. Dei meu braço para o meu marido Thiago e ali a gente chorou junto não sei quantas horas mais. Eu falava: ‘não é possível que depois de 5 tentativas eu tenha chegado até aqui e eu não vou conseguir ter o meu filho, de novo’!”
O PARTO
Exames da placenta detectaram que Benjamin tinha uma Síndrome de Down leve e, por conta disso, uma insuficiência cardíaca fez com que seu coraçãozinho parasse.
Havia dois caminhos a seguir: fazer uma cesárea de imediato, o que diminuiria ainda mais a chance da Irene, com 41 anos e tantas perdas, conseguir engravidar de novo, ou esperar o Benjamin, mesmo sem vida, nascer no tempo dele.
“Assumimos o risco. Tenho uma frase que eu levo pra vida: Eu tenho medo de não ter medo! Eu sou uma mulher muito desbravadora e quando eu quero, eu quero! E a partir dali, começou a luta diária de ver a barriga daquele tamanho, ficar 24h durante 5 dias com um filho morto na barriga, tendo acompanhamento médico. Foi um momento muito dolorido, sabe. De doer na alma, você carregar um filho na barriga, já pronto para nascer, e ele estar sem vida”.
Foram oito horas em trabalho de parto. Durante a cirurgia, Irene ouvia apenas o barulho dos instrumentos na bandeja de alumínio e o choro de seu marido. Do lado de fora, entretanto, pais e avós comemoravam o nascimento dos filhos e netos.
“São traumas que eu tenho enfrentado semanalmente na terapia para tentar trabalhar tudo isso e guardar na gavetinha certa da saudade. A gavetinha da dor, abro de vez em quando, sabendo que ela não pode ser a gavetinha da vida”.
A DESPEDIDA
Irene conta que sentiu uma grande presença de Deus no momento do parto e que foi o mais lindo da sua vida. Mesmo sendo orientada de que a aparência de Benjamin fosse um tanto chocante, Irene quis ver o filho, carregou-o e se despediu.
“As mães que têm filhos sem vida precisam se despedir deles. Isso faz parte do luto e do ciclo de superação. Faz parte de toda a resiliência que a gente tira. Não deixem de ver, porque vai ser o maior arrependimento da vida!. Graças a Deus eu vi, eu peguei meu filho no colo. Me despedi dele. Fiquei 3 a 4 dias sem lavar a minha mão esquerda, porque ainda tinha o cheiro do Benjamin. Eu dormia cheirando minha mão”.
Mais do que uma vontade irrefreável de ter mais um filho, Irene tinha um sonho. Mesmo diante de tanta dor, ela e o marido não desistiram. Costuma-se dizer que depois da tempestade, vem o arco-íris. E foi assim que chegou a Laura: o bebê arco-íris.
“Depois de 4 meses da partida do Benjamin, eu tive a surpresa de estar grávida e tinha a certeza de que era uma menina”.
A gestação correu bem e Laura nasceu de uma cesariana, sem intercorrências. Completou 3 anos em abril de 2021. No Natal anterior ao nascimento dela, a família homenageou Irene com uma surpresa.
“Nossa família se reúne todos os anos no Natal. É uma tradição. Minha irmã, que não é muito de falar, pediu a palavra e disse: ‘A dor de vocês é a nossa dor. E o sonho de vocês é o nosso sonho!’ Nisso, todos vestiram uma camisa com os dizeres #vem laurinha. Isso me marcou tanto! Não conseguia nem falar. Todo mundo chorava. A gente se abraçou e fez uma oração linda!”
Irene diz que Laura é uma criança muito independente. Tão independente que até assusta. É intensa, furacão. Enquanto o irmão mais velho é calmaria, doçura.
“Eu sou da linha espírita. Pra mim, eu e minha família servimos de ponte para que outros espíritos tivessem a passagem por aqui o tempo que eles deveriam. E assim eu tive essas cinco experiências diferentes. O Benjamin veio com um ensinamento muito profundo para toda a minha família. Veio para mostrar coragem, resiliência, empatia, amor e, principalmente, aceitação.”
A IMPORTÂNCIA DE VIVER O LUTO
Vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Anna Carolina Lo Bianco, destaca que o processo de luto em casos como o da Irene começa no momento da perda, ao lado de médicos e profissionais de saúde. Saber acolher o paciente, como ser humano, é fundamental.
“Quando você encontra uma pessoa que tem empatia com sua situação, você tem mais recursos para enfrentá-la. Do ponto de vista dos profissionais, é muito importante que eles tenham uma formação ‘humanizada’. Que o médico não veja aquele caso como doença específica, mas como uma patologia que está sendo apresentada por uma pessoa, que é um ser humano, que fala e que tem uma série de afetos”, explica Anna Carolina, sem deixar de reconhecer que a rotina de médicos é pesada e estressante.
A psicóloga diz que, embora a sociedade moderna não tenha um ritual de luto muito preciso, é importante que o enlutado possa conversar e ser ouvido. Yoga, meditação e até a religião ajudam.
“Não contamos com a morte e quando a gente encontra com ela, é muito sofrido. Portanto, os recursos são necessários e ajudam a dar consistência a essa malha social. Se você não der uma certa vazão, isso vai escorrer aos pouquinhos e vai causar uma grande infiltração”, declara a vice-presidente do CFP.
A pandemia, que trouxe medo e mortes, também preocupa na questão de saúde mental e na vivência do luto.
“Cada vez temos menos rituais. Agora com a Covid, você não pode enterrar, não pode vestir, não pode ver o morto. Isso é muito difícil e vai ter um preço. A sociedade vai pagar caro por isso em termos de não poder trabalhar o luto”, finaliza.
LADO DOS MÉDICOS
A reportagem fez contato com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e com a Associação Médica Brasileira (AMB), para que pudessem expor à Revista Entre Asanas, os desafios que os médicos têm em sua labuta diária de consultório, tendo que lidar com seus problemas pessoais e ainda sendo (ou tentando ser) mais humanos com os pacientes. A Entre Asanas, no entanto, não obteve resposta das entidades.
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